Tô bem blogueirinha e fiz um vídeo.
Sobre a "nova" solidão da mulher negra...
Assistam, ou não.
Falei 10min, mas faltou uma coisinha.
Achar é o mais longe que podemos ir nesse universo repleto de segredos, sussurros, incompreensões, traumas, sombras, urgências, saudades, desordens emocionais, sentimentos velados, todas essas abstrações que não podemos tocar, pegar nem compreender com exatidão. Mas nos conforta achar que sabemos. (Martha Medeiros)
Tô bem blogueirinha e fiz um vídeo.
Sobre a "nova" solidão da mulher negra...
Assistam, ou não.
Falei 10min, mas faltou uma coisinha.
Eu não gosto da porta do banheiro aberta, mas hoje sentei no sofá e antes de levantar pra fechar senti orgulho.
Meu banheiro tá tão bonitinho❤
E é tão meu. Lutei tanto pra ter minha casa e decorar do meu jeito...
Ah... momento de sentir orgulho e felicidade.
Dessa vez não farei playlist.
Mentira 😂😂 Farei sim. Tudo tem trilha sonora.
Hoje faz exatamente 1 ano do fim de um namoro de 2 anos (um pouco menos segundo a PM, vulgo, ex) que me fez feliz.
Toca aí Heartbreak Anniversary do Giveon bem alto pra sofrer com classe!!
Just like the day that I met you, the day I thought foreverSim, eu fiquei despedaçada, decepcionada, triste e rejeitada, porém orgulhosa de mim.
Eu, depois de tantas feridas e cicatrizes, aprendi a ser completa, a não precisar de ninguém e me permiti querer alguém.
E eu sinceramente me orgulho disso.
Dá trabalho se enxergar como alguém completo na solteirice, num mundo que te cobra uma vida em par. Eu vivi um casamento de mais de 10 anos projetado para ser pra sempre, onde amadureci muito, cresci e floresci gerando o Teodoro e de repente aquele mundo acabou e precisei me reconstruir. E nesse processo de colar pedacinhos de sonhos eu achei que nunca mais seria capaz de me interessar por amar alguém.
Aí temos Fulminante!
Aí você vem, me deu proteçãoComo eu disse, eu andava bem solteira e bem feliz, finalmente experimentando a sensação de felicidade na solidão.
Solteira, porém não sozinha. O dito (não vou nomear pra não ser processada hahahahah) cruzou meu caminho a primeira vez em 2016, precisamente numa das comemorações dos meus 36 anos. Rolou uma boa química e tudo, mas não passou disso.
Em 2018, num rolê aleatório no viaduto batemos os olhos de novo. Como não sou de perder tempo catei o contato lá nas profundezas do whatsapp e mandei o famigerado "oi sumido".
E dessa vez a coisa deslanchou. Voltamos a nos ver em julho e em agosto já nos víamos umas 3 vezes por semana, em setembro ele conheceu o Téo. E pronto, pra mim já era namoro.
Tudo fluiu tão bem.😍
E percebi que tava realmente disposta a me envolver e deixar alguém entrar na minha vida quando ele fez merda e eu quis ficar ao lado dele, mesmo podendo simplesmente sair, dizer um lacônico e cínico "é complicado..." e fingir que ele não existia. Eu sentei do lado dele, chorei junto e pensei: "Tô contigo.".
Eu senti que devia baixar a guarda e me deixar levar.
O início oficial só veio depois de muita conversa, o que devo dizer é novidade pra mim. Conversar foi o grande aprendizado desse relacionamento, ele achou que falei pouco e me abri pouco, mal sabe ele a vitória que foi. Pela primeira vez me senti forte o suficiente para dizer algo sem medo de que a pessoa fosse embora. Eu não tinha mais medo de ficar "sozinha".
A diferença de idade foi a minha primeira insegurança (por que 13 anos não são 13 dias né), mas ele disse que não era problema, e mais que dizer, ele me fez acreditar que não era. Muitos diriam que ele fez o "mínimo", mas só quem não nasceu negra num país racista não valoriza esse suposto mínimo. Sentir "eu mereço ser bem tratada" é uma luta para alguém que passou a adolescência sendo preterida e depois foi ejetada do seu projeto família feliz.
E também é um processo bem intenso amar um homem negro num país que brutaliza esses homens diariamente. Deixar de lado os esteriótipos machistas e racistas e abraçar uma relação que compartilha essas feridas e ser capaz de construir afeto é revolução.
Tudo bem que sou meio ONG de macho, confesso!!! A Deia que me perdoe😁. Mas eu me entrego de um jeito que sim, dou meu CEP sem cobrar aluguel, divido a comida, leio e corrijo trabalho de faculdade e indico vaga de emprego.
Mas também não entrego a toa. Eu tive o que precisava: carinho, parceria, bom papo, sexo e intimidade.
É gente, deixei o Cazuza com inveja, por que sim, eu tive a sorte de um amor tranquilo. Tive a coragem de me deixar levar por algo sólido e intenso, deixei que alguém me visse. E ele me viu e decidiu ficar. Eu amei cada detalhe dessa entrega, e busquei reabrir meu coração ferido.
Eu conheci alguém que me via, ouvia e sentia, mas não fui capaz de fazer o mesmo. Ou melhor, fiz mas fiz com medo, dizem que gato escaldado tem medo de água fria né?
Mas ok. Nunca é tarde. Me desafiei a enfrentar esse medo, e pela primeira vez em décadas falei sobre ter medo de não dar conta, de não saber como segurar a grandeza de um amor tranquilo. E descobri que falar é difícil, mas superar um medo é muito mais.
Enquanto isso ele me via, ouvia e sentia. E puta merda, como faz(ia) isso bem! Que sorte a minha! O problema é que esse poder de me olhar, fez ele enxergar as minhas zonas mais densas, e daí permanecer não foi mais possível. É mar desaguando no rio, violentando o rio, tirando o seu curso.
E assim ele foi.
Li essa semana um texto no Instagram da revista TPM que resume bem: uma mulher sobrecarregada é insuportável. E eu estava realmente exausta em 2020, até já contei por aqui...
É muito ruim se sentir "foda demais" para alguém quando só se quer ser especial, única, amada, frágil e vulnerável. Eu tô cansada de ser a guerreira que dá conta de tudo de quem se exige tudo e a perfeição. Eu só quero colo, aconchego e dengo.
Hoje não sinto mais falta dele, demorou, mas consegui passar dessa fase. Sinto saudade muitas vezes.
Eu realmente me acostumei com a presença diária e apreciei a intimidade. Ter sido a pessoa que fica no mesmo cenário tem essa dorzinha extra: eu sinto falta dele quando a porta do guarda-roupa trava e penso "só o fulano que tem paciência pra fechar essa merda!", ou quando estou completando 4h ininterruptas na frente do PC e ninguém me chama pra deitar e beija meu pescoço, ou quando olho pro lado e ainda vejo um vão no meu quadro de medalhas da cabeceira exatamente onde ele ficava sentado na cama jogando xadrez no celular...
Ficou a saudade, mas o processo de superar também envolve reconhecer que sinto muito mais falta e saudade do que a pessoa representou, da possibilidade de amar e ser amada.
Eu botei fé na possibilidade de ter um amor tranquilo.
Mas é possível uma pessoa preta ter um amor tranquilo? Um relacionamento mobiliza coisas muito profundas numa mulher negra, no meu caso, são décadas de rejeição, de preterimento, de insegurança, de gente duvidando da tua capacidade, questionando a tua beleza e isso é muito difícil de lidar. Talvez isso explique por que ele tão rapidamente arranjou uma branca pra ele. (e ser trocada por uma mulher branca aciona muitos desses gatilhos, é um deja vu eterno)
Nesse processo eu passo a questionar não a escolha do outro, mas fico buscando a "minha culpa". E isso é muito injusto comigo, por que nesse caso específico, eu tava vindo de um momento muito turbulento da minha vida em que eu já tinha decidido que não ia me envolver com mais ninguém, e decidi conscientemente dar uma chance pra aquilo que tava sendo tão bom pra mim, que tava sendo tranquilo. Ciente de que não era uma necessidade, era só um querer.
Aqui, pausa para a trilha.
Entra o Luiz Lins com A música mais triste do ano
Amor, quando o nosso vinho amargar ou perder o saborE a resposta dele foi: NÃO. Pra todas as perguntas.
Então, mais uma vez, estar escrevendo sobre isso é terapêutico para mim, pra abrir as minhas veias e mostrar pra mim também e para possíveis leitoras de que uma mulher foda pode ser frágil, e que ser frágil faz parte.
E principalmente que as coisas podem ser boas por um tempo e deixarem de ser boas. E tudo bem.
As pessoas vão tomar escolhas que tu não vai concordar, tomar escolhas que tu não vai aceitar, e tu vai sofrer com aquela consequência, mas ainda assim isso não é tua "culpa".
Essa "meritocracia emocional" de "eu não merecia ser tratada desse jeito" é só mais uma bobagem desse mundo capitalista doente. Relacionar-se é uma via de mão dupla, sem perde e ganha. É dinâmico e é um aprendizado. Pra mim o que fica é que ele teve mais coragem do que eu jamais tive em nenhum relacionamento (até por que fugi sempre que pude). No momento em que ele teve tudo que precisava do relacionamento e acreditava que não podia ter mais ele pulou do barco. E eu estou dizendo justamente isso por que essa foi a metáfora que ele mesmo usou numa das intermináveis conversas por mensagem.Ele se sentia como se eu nunca dividisse o leme do barco com ele. Pois é... só tem um porém: eu não tenho só um barco, eu tenho um iate. Eu tenho um navio de luxo e posso proporcionar lindas viagens para as pessoas que quiserem aproveitar, e que realmente não está "equipado" para quem quer pular e nadar.
E o fato de ter um iate luxuosíssimo e muito equipado leva a próxima questão: eu não preciso de ninguém pra remar comigo nesse barco, o meu barco já anda sozinho.Navegar num barquinho padrão de beleza "discreta" deve ser mais "emocionante" né? Afinal deve ser um alívio pra tensão racial, pois dá pra circular de "negro card" na CB naqueles rolês que servem drinks em potes e toca "eu quero botar meu bloco na rua" versão acústica e também um alívio para o ciúme, nada de ficar assistindo a namorada sambar seminua e brilhante por aí.
Eu estou feliz com isso tudo. De verdade. Aprendi muito com isso. Foi importante aprender que nem sempre as pessoas agem da forma como eu espero, nem sempre as relações acabam por faltas minhas, nem sempre a pessoa muda por uma atitude minha ou falta de atitude, nem tudo é sobre mim. Nem tudo está sob meu controle. E tudo bem.
Eu não vou me torturar. Eu fiz o que eu consegui, o que deu, o que de melhor eu podia fazer com as ferramentas que dispunha no momento. Lidar com a rejeição sem me culpar é a meta, e tô feliz com esse processo.No mês de julho tivemos Olimpíadas, e eu amo Olimpíadas. Fui atleta na adolescência e curto muito assistir esportes. E nesse ano ainda juntou minhas férias e um friozinho ao evento. Delícia!!!
Acompanhei alguns jogos de muitas modalidades, e quando assisti o jogo da dupla de vôlei de praia me peguei pensando numa frase que deu uma super vergonha: "ela é bem gordinha né?"
WTF?????
Como assim?????
Sherol do céu, como que tu pensa um treco desse?????
Tanto o pensamento como a autocensura me levaram a refletir sobre como temos arraigadas em nossa mente esses padrões dismórficos e tóxicos de corpo.
Gente, nem vou por foto aqui por que real tenho vergonha desse meu pensamento. Mas a atleta em questão é apenas uma pessoa "fora do padrão".
O teto foi o seguinte:
- Não, ela não é gorda.
- Tá, mas e se for? Qual o problema?
- Gente, o que é ser gordo/a?
- E por que um corpo gordo/baixo/alto/ou qualquer coisa que não me diz respeito não poderia estar nas Olimpíadas???
- Que performance é essa que estabelece um padrão estético ridículo quando o que importa num esporte é o desempenho esportivo????
Sim, pensei em tudo isso e mais um pouco (#overthinker).
E perdi boa parte da partida nessa viagem hahahaha
E não termina aí: lembrei das recentes conversas que tive com o Teodoro sobre ser gordo ou não.
Ele tem 11 anos e está passando por muitas metamorfoses, e uma delas é corporal. E ele engordou bastante nesse isolamento social, que somado a fase adolescer é completamente normal.
O problema é perceber que isso tem incomodado ele. Começou com a recusa em tirar a camiseta no calor escaldante e foi até ele verbalizar que não que queria que a gente chama-se ele de gordinho ou fofo.
Alerta vermelho na cabeça de Mamãe!
Até que ponto eu tenho reforçado esse discurso gordofóbico em casa?
O trabalho tem sido esse. Tenho refletido sobre isso e monitorado fortemente as coisas que eu falo.
Talvez por isso o teto maluco sobre a jogadora de vôlei.
Eu, uma pessoa com corpo bem padrãozinho, já passei por essas paranoias de peso e etc. Mesmo que eu tenha praticamente a mesma compleição física de quando tinha 20 anos estando com 40 e parido uma criança, reconheço que o bombardeio de "barrigas negativas" nas mídias ajuda a turvar a visão sobre si.
E o esforço agora é de usar essa bagagem para que o Téo consiga se ver como alguém lindo e ponto.
A conversa aqui em casa tem sido sempre sobre as maravilhas que o nosso corpo é capaz de fazer. Valorizar as mudanças e metamorfoses como algo sagrado, bonito e essencial.
Não sei se vai funcionar, mas estamos na batalha.
Hoje vi um vídeo da Mara, psicóloga musa influencer, e achei muito adequado trazer pra cá.
No último post relatei a minha jornada pra chegar na terapia, e uma das coisas mais angustiantes do início é saber que dizer na primeira consulta. Eu adiei algumas vezes usando essa desculpa: "Eu nem sei o que dizer pra psicologa!"
Se tu tá nessa mesma angústia, ouça a Mara e bota fé no teu processo!!
Sigam a Mara nas redes sociais (na vida real pfv deixem a pessoa em paz hahahah)
Instagram: @maramaraervilha
Tik Tok: maramarervilha
Maioria que lê aqui sabe que em 2015 passei por um grande baque que foi o meu divórcio. Sofri publicamente pela primeira vez na minha vida e recebi abraços até de gente "estranha" e me senti super bem.
O divórcio bagunçou minha vida completamente, me mobilizou demais. O ex-marido me deu a boa nova num sábado e minha qualificação de mestrado estava agendada para a quinta. Nunca vou me esquecer que a Mãe e a Desi tiraram o Téo de casa justamente para eu finalizar o texto e ele "aproveitou" para essa conversa.
Na quinzena seguinte era casamento da minha irmã mais nova, lá em SC, o Natal e Ano Novo já programado, lista de presentes ajustada, férias em família em Salvador com passagens e hospedagens pagas.
Para tudo. Cancela. Reorganiza.
E eu fiz tudo.
Fiz a qualificação.
Comprei uma passagem de avião e fui pro casamento em SC só com o Téo.
Fiz uma escala para o Natal.
Reorganizei a lista de presentes.
Refiz os planos de final de ano.
Aceitei um cargo na Direção da escola pra ter um pouco mais de tempo pra dar atenção ao Téo.
Levei o Téo para Salvador.
E me inscrevi na seleção do Grupo Atinuké - estudos sobre o pensamento de mulheres negras para dar uma organizada na vida acadêmica e ganhei um sentido de vida.
O ano de 2016 foi uma loucura.
Quando penso em tudo que fiz eu acho difícil de acreditar.
Eu fiz tudo que era necessário, e não me arrependo. Vendi a casa que montei peça por peça, me despedi dos projetos de mais de uma década, abandonei o carro com bancos de couro e comprei um remendado com fita tape, encarei um cargo de direção (sendo vice diretora, supervisora, orientadora e professora ao mesmo tempo) e passei a ficar assustadoramente sozinha nos finais de semana sem o Téo.
Tenho orgulho de tudo isso, mas foi um esforço emocional que quase me matou.
Encontrar as Atinukés foi uma benção. A palavra Atinuké em yorubá significa "aquela que merece carinho desde o ventre", é sinônimo de cuidado.
Fiz minha inscrição num grupo de estudos achando que ia para mais um GT bem clássico, pra fazer umas leituras e concluir o mestrado, e encontrei carinho, apoio e amor.
Encontrei mulheres muito foda, admiráveis, fortes, quase inacreditáveis e FRÁGEIS e isso mexeu com coisas muito duras e arraigadas dentro de mim.
Lembro como se fosse hoje das primeiras conversas e leituras. Tudo que era falado era tão familiar, era como encontrar minha história na boca de outras pessoas.
Eu comecei a me recompor na companhia e no colo das minhas irmãs.
Foi tudo tão lindo que até um sonho antigo, o de desfilar na Imperadores o ano de 2016 me deu. Virei Cabrocha e me redescobri bonita.
O grupo me fortaleceu, apoiou e acarinhou, mas não tinha como resolver demandas individuais.
Foi terapêutico mas não era terapia.
Para chegar na terapia eu tive que romper com o auto-estigma "eu dou conta" de tudo, o "eu resolvo" e admitir minha própria fragilidade.
Em 2015 eu liguei o "modo sobrevivência" e tive sucesso, não posso negar. Mas qual foi o custo disso? São incríveis os mecanismos que o nosso cérebro e espírito desenvolvem para não enfrentar certas emoções.
Eu me permiti sofrer, mas não me acolhi. Lutei ferozmente para colocar a decepção embaixo do tapete. Me recusei a admitir o quanto eu me senti fracassada pelo fim do meu casamento, pelo fim do meu projeto de vida.
Sim, eu me sinto fracassada. E escrever isso aqui ainda dói, e eu nunca me permiti assumir isso em voz alta.
Eu dei conta de tudo, trabalhei muito, comecei um doutorado, arrumei novos empregos, fui reconhecida pelo meu trabalho, comprei uma casa nova e mobiliei.
MAS
Passo o tempo todo me sentindo humilhada por ter precisado de ajuda financeira da minha mãe e da minha irmã.
Me sentindo uma mãe terrível por ter tirado o Teodoro da casa que construí para ele crescer.
Me sentindo fracassada por não ter falado o que me incomodava no meu casamento.
Me sentindo idiota e infantil por ter acreditado que amor era suficiente.
Me sentindo incompetente por ter passado no concurso dos sonhos e ainda assim nunca ter sido nomeada.
Me sentindo fracassada.
Sim, num nível consciente sei que algumas dessas coisas não estão sob meu controle, e que nem podem ser consideradas um fracasso.
E não ter controle também é um fracasso pra mim.
Eu fui percebendo isso aos poucos. Ou melhor, percebendo e sufocando.
Eu mantive o modo sobrevivência ligado e segui firme. Mas a cada coisa que dava errado eu sentia a ferida latejar.
Iniciei a compra de um apê e não deu certo, perdi uma boa grana
Passei no doutorado, tive a bolsa negada e ainda tive que encarar racista descarado duvidando da minha capacidade de estar onde cheguei.
Passei no concurso dos sonhos e tive que recorrer a justiça para me manter no páreo, e no fim perdi a vaga.
Voltei a ter 40h na rede estadual, com salário parcelado e atrasado, em duas escolas em dois bairros diferentes.
A ferida sufocada latejando a cada dificuldade. Eu não sei lidar com a falha, eu sinto como se as falhas corrompessem o meu SER.
Ser forte e dar conta de várias coisas é um habilidade que me torna muito eficiente em alguns campos, mas me traz um gasto de energia emocional absurdo.
Soube recentemente que posso ser uma "overthinker", alguém que tem uma necessidade irresistível e avassaladora de analisar tudo o que pensa, de pensar sobre tudo, planejar e pensar e pensar e pensar de novo. É uma tendência a monitorar, avaliar e tentar controlar excessivamente todos os pensamentos, de analisar causas, consequências e possibilidades de tudo.
Isso não é necessariamente ruim repito. Por que me torna uma pessoa eficiente em vários campos. Mas também me levou a exaustão. Por que muitos dos pensamentos nada positivos também entram nesse processo alucinante de pensamento. E as minhas falhas, derrotas, dissabores e dores também ganham força e tamanho nesse processo.
No segundo semestre de 2018 eu me sentia muito cansada. Exausta.
Com as merdas no Estado precisei aceitar qualquer trabalho que me rendesse qualquer dinheiro.
E como sempre eu fiz tudo: dei aula, escrevi livro, plano de aula, dei palestra, fiz show com as Cabrochas, cuidei de tudo relacionado ao Teodoro. E ainda me apaixonei e decidi conscientemente me deixar envolver.
E tudo isso sem deixar de me sentir fracassada.
Isso é bem estranho né? Como pode uma pessoa que conquistou tanto ainda se sentir um fracasso?
A questão é justamente essa: não lidar com a frustração. Não aceitar as frustrações como parte da vida, apenas ver isso como um fracasso e se culpar por isso.
Eu nunca busquei entender isso de forma mais profunda, afinal faz parte do meu processo achar que devo dar conta de tudo. Mas preciso dizer que nós, mulheres negras somos socializadas e criadas em condições tão extremas de sobrevivência há tantas gerações que não sobra tempo pra ser frágil, pra ser triste. É uma sucessão de "engole o choro" sem fim. Lidamos com todas as oportunidades como se fossem as últimas e únicas (por que muitas vezes são), temos que tirar nota 11 e ainda somos questionadas sobre nossa competência. Uma mistura de racismo com machismo que nos sufoca.
Encontrar as Atinukés me trouxe consciência disso. Eu comecei a entender melhor o quanto as que vieram antes de nós pavimentaram com muito amor e dedicação o caminho que trilhamos. E principalmente comecei a identificar o quanto as mulheres que me formaram foram extremamente fortes, suportam coisas inimagináveis e se mantiveram firmes.
Essa constatação num primeiro momento pesou muito. Costumo dizer que temos uma "régua alta", uma grande responsabilidade com esse legado. O desafio é honrar esse legado sem comprometer nossa própria trajetória. Buscar entender que muito do que elas passaram foi justamente para que a gente não passasse, muitas das nossas foram impedidas de estudar, mantiveram casamentos de merda e nos ensinaram a não repetir isso. O fato de terem feito tudo nisso com um sorriso no rosto não pode nos fazer esquecer que dói.
Em 2019 a minha exaustão chegou ao topo. Eu tentava me enganar dizendo que todos aqueles sintomas eram apenas cansaço: dores pelo corpo, sono que não revigora, dores de cabeça e pensamento extremamente acelerado.
E mesmo sendo a pessoa que falava muito sobre "autocuidado" com as amigas, eu me recusava a admitir que eu precisava de ajuda. Afinal, fazer terapia em vários momentos me soava como uma derrota. Mais um fracasso pra lista. Afinal, eu "preciso dar conta".
Aqui fica uma dica pra quem me lê: não confunda autoestima, vaidade e "skincare" com "saúde mental". Digo isso de camarote. Não me falta vaidade, nem autoestima, nem gratidão. Todos essas estratégias de autocuidado são válidas e bem vindas, mas elas são apenas parte do cuidado com a tua saúde mental. Em muitos casos lidar com emoções mais duras requer autoconhecimento e para se chegar nesse ponto muitas vezes precisamos de ajuda, de terapia.
Pra muitas de nós uma rotina de bem estar é uma grande conquista sim, descansar é um luxo necessário, que deve ser cultivado e celebrado. Rotina de bem estar é terapêutico, mas não é terapia.
Eu não abri espaço para terapia na minha vida por que acreditei que enquanto eu me mantivesse "positiva", "lutadora" e "forte" tudo ia se resolver. E a dor só aumentando, afinal como eu poderia ser uma pessoa linda, maravilhosa e ainda me sentir triste e fracassada? Que vergonha!!! Tu é forte, """tem que aguentar""""!!!
Quando tive alguns sintomas físicos de exaustão tomei umas broncas do namorado e marquei uma consulta com uma psicóloga pela primeira vez. E nunca fui. Arranjei todo tipo de desculpas e desmarquei umas 5 consultas no ano de 2019.
Cheguei a bater o carro.
Tomei a dura decisão de deixar a sala de aula e encarar um cargo administrativo, mais próximo de casa e também com a possibilidade de retomar a escrita da tese (que me dói ainda).
Fechei o ano de 2019 completamente exausta.
Tomei decisões muito sensatas e acertadas, trabalhar mais próximo de casa, parar de pagar pra trabalhar e vender o carro, levar menos trabalho pra casa e voltar ao doutorado, mas ainda todas essas decisões ressoavam como um fracasso, uma derrota, uma demonstração da minha vulnerabilidade inaceitável.
Uma parte de mim ainda não aceitava mais uma mudança de rota. Uma parte de mim gritava: "Como assim??? Vai mudar de novo??? Tu não acerta uma!!!!"
A meta de 2020 era encarar a terapia. Além de exausta eu também sentia que estava sobrecarregando a única pessoa que permiti ver esse processo, o meu namorado na época, e não me parecia justo.
Veja, mais uma vez, eu estava me sabotando, me recusando a encarar um processo necessário apenas por mim mesma. Meu processo "overthinker" busca justificar as coisas e só encontra conforto quando posso fazer algo por alguém, o que é para mim, se não for ""natural"" não é válido.
O ano de 2020 começou bem, fui viajar a Salvador, um lugar que eu amo, com todas as pessoas que eu amo. Comecei com muita esperança, até um retorno a Imperadores aconteceu. Ainda tentei fugir da terapia, "Eu vou depois das férias", "Vou esperar passar o Carnaval", funcionaram e marquei uma consulta para março.
Vocês sabem o que aconteceu em março.
O ano de 2020 nem preciso dizer que foi terrível pra todo o planeta. E pessoalmente marcou o meu colapso. Quando a pandemia começou eu tinha certeza de que ia morrer. E tudo que sempre usei como mecanismos de autocontrole parou de funcionar: eu não tinha mais uma rotina louca de idas e vindas entre duas escolas, possibilidades de sair e tomar um porre no final de semana, e etc.
E surgiram outras oportunidades de trabalho, em meio ao caos eu juntei um grana que não imaginava. E trabalhei muito!!
Mas meus pensamentos estavam me exaurindo.
A consulta de março foi cancelada e a incerteza dos primeiros meses de pandemia me enlouqueceram. Meus pensamentos se tornaram extremamente acelerados e opressivos. E tudo isso que estou relatando aqui só consigo raciocinar depois de um ano.
Enquanto isso acontecia eu apenas colapsei. Nem o meu modo sobrevivência foi capaz de me fazer ficar confortável.
Eu fiz tudo que tinha que fazer: trabalhei, cuidei do Téo, trabalhei mais um pouco e fiz uma reforma na casa. E chorei. E me senti envergonhada por estar viva, segura, empregada e triste.
Pra fechar o pacote tristeza meu namorado me deixou. Um coração partido no meio de isso tudo era o que eu menos precisava. Eu perdi um amigo, mais do que um namorado. Mas sobre isso falo depois.
Durante o auge da pandemia tentei remarcar aquela consulta de março, mas perdi a vaga. Recebi a indicação de outra psicóloga e travei. A desculpa oficial foi o atendimento online, mas a realidade era que eu não conseguia pedir ajuda.
Eu estava assustadoramente triste e ansiosa. E quando perdi meu namorado-amigo me senti também assustadoramente sozinha. Abandonada.
Tomei coragem e agendei a terapia online. No dia marcado inventei uma desculpa e não fiz a chamada, e passei a hora toda da consulta sentada na minha poltrona chorando.
Finalmente parei de fugir, mas as primeiras consultas foram extremamente dolorosas. Levei uns dois meses pra ter vontade genuína de fazer a chamada, no dia da sessão sempre pensava em alguma desculpa pra faltar, adiar ou atrasar. Me esforcei pra manter a regularidade e não me arrependo. Já são 10 meses de conversas semanais que me trazem alívio e acolhida.
Tem sido uma jornada muito difícil, eu ainda preciso de muito esforço mental para me sentir merecedora desse espaço.
Inclusive escrever aqui sobre isso é uma etapa fundamental pra mim. É parte da minha escrevivência.
Aos poucos tenho feito as pazes com as minhas falhas, frustrações e medos. Precisei de ajuda de uma psiquiatra, e mesmo adiando ao máximo me sinto satisfeita por ter rompido mais essa barreira (mesmo que os primeiros comprimidos foram engolidos com lágrimas de auto-desaprovação). Foi tão difícil que só depois de 4 meses de tratamento tive coragem de contar pra minha família.
Sigo com o pensamento acelerado e um pouco triste, mas já me culpo menos por isso. Ainda preciso que a Priscila me diga em cada sessão "Esse é o processo, e tu tá indo muito bem" pra não desistir.
E hoje ao ver a ginasta Simone Biles deixar de participar da final olímpica para cuidar de si me senti quase que envergonhada... Que mundo é esse em que não podemos nos sentir confortáveis nem no topo?
Minha crença de que a nossa doença se chama colonização fica mais firme. Como nos ensina bell hooks, as emoções reprimidas foram a chave da nossa sobrevivência. Sobrevivemos, e agora devemos honrar nossos ancestrais VIVENDO. E vivendo de amor.
Eu abri as comportas desse mar que me habita e inunda. Não tem mais volta.
"A arte e a prática de amar começam com nossa capacidade de nos conhecer e afirmar"
Pra que eu saiba que eu posso fraquejar, que isso não apaga nada do que sou. E que eu sou um monte de coisa, e nada disso é contraditório.
A afirmação é o primeiro passo para cultivarmos nosso amor interior. Uso a expressão "amor interior" e não "amor próprio" porque a palavra "próprio" é geralmente usada para definir nossa posição em relação aos outros. Numa sociedade racista e machista, a mulher negra não aprende a reconhecer que sua vida interior é importante. A mulher negra descolonizada precisa definir suas experiências de forma que outros entendam a importância de sua vida interior. Se passarmos a explorar nossa vida interior, encontraremos um mundo de emoções e sentimentos. E se nos permitirmos sentir, afirmaremos nosso direito de amar interiormente. A partir do momento em que conheço meus sentimentos, posso também conhecer e definir aquelas necessidades que só serão preenchidas em comunhão ou contato com outras pessoas. Onde está o amor, quando uma negra se olha e diz: [...] "Vejo uma pessoa tão ferida, que é pura dor, e não quero nem olhar pra ela porque não sei o que fazer com essa dor". Aí o amor está ausente. Para que esteja presente é preciso que essa mulher decida se olhar internamente, sem culpa e sem censura. E ao definir o que vê, talvez perceba que seu interior merece ou precisa de amor.
Eu sou aquela que merece carinho desde o ventre.
Eu sou aquela que vai se acolher no próprio ventre.
Li esse texto agora no Instagram e preciso gravar ele aqui.
Reposted from @omolojiagbara
Africanamente reconhecemos que somos a soma de todos os nossos e nossas ancestrais.
Trazermos no corpo as marcas de glória, felicidade e afetos de acolhimento.
Mas também trazemos as tristezas, a dor do abandono, a tragédia do sequestro de África, as durezas das relações familiares...
Somos a soma, sobretudo, das experiências da nossa ancestralidade familiar que são repassadas de geração a geração na convivência cotidiana.
E é importante que reconheçamos quais dores se manifestam em nós e que não são nossas diretamente (tão quanto aquilo que nos fortalece).
Falo das dores, pois comumente são elas que nos paralisam ou nos deixam mais fragilizados.
Reconheço ser legítimo sentir a dor dos meus e das minhas ancestrais.
E do mesmo modo eu digo que quero ser o corpo que irá reconhecer essas dores, as feridas e marcas, mas não quero que meu corpo seja depósito, e sim o colo que acolhe e direciona essas e esses ancestrais para a cura.
Aprendi que meu autocuidado não é “auto”. Muitos ebós, fundamentos, afetos, sessões de terapia, jogos de búzios, tarô, idas ao médico, conversas em grupo... São em paralelo para mim e também para esse povo todo que está em mim.
Quando Oxum lava primeiro as suas pulseiras ela está lavando as pulseiras da sua ancestralidade, força vigorosa em si.
Nesse auto/inter-cuidado eu fortaleço a mim e aos meus e minhas ancestrais:
Processo de cuidado profundo, complexo e denso, mas com muito amor, eu cuido de mim/da minha gente...
👉🏾Texto: Omoloji Àgbára Dúdú- @omolojiagbara
👉🏾 NagôDengo - @nagodengo
Hoje é domingo.
Eu acordei relativamente cedo, arrumei umas coisas e me pus a trabalhar.
Perto do meio dia fui fazer um strogonoff pra mim.
Botei a mesa e me sentei bem plena pra degustar meu rango.
Eu gosto da minha companhia, gosto de mesa posta e comida arrumada, mas me lembrei de como esse singelo momento já foi muito dolorido. E muito mesmo.
Logo depois que me separei o primeiro final de semana sem o Téo em casa foi absolutamente terrível. Eu não sabia nem o que fazer. Chorei muito e também não almocei sozinha, minha irmã me socorreu.
Depois do primeiro demorou pra ficar menos dolorido. Eu geralmente saía de casa ou passava o final de semana na base do pão.
Enquanto estive em Canoas era muito terrível por que aquela casa grande virava um deserto. Eu ficava no escritório e no quarto, não sentia vontade de sentar no sofá, ou pegar um sol no pátio e não cozinhava.
Mas era uma vida dupla: nos finais de semana em que o Téo estava em casa eu fazia almoço e botava a mesa pra nós.
Eu só não sentia vontade de fazer nada pra mim.
Isso já faz 5 anos e foi bom eu ter me lembrado.
Preciso dizer a mim mesma com frequência: tudo é um processo.
Aos poucos voltei a cuidar de mim.
E olha onde noix chegou! 💖