quarta-feira, 28 de julho de 2021

Sou aquela que merece carinho e terapia.

Maioria que lê aqui sabe que em 2015 passei por um grande baque que foi o meu divórcio. Sofri publicamente pela primeira vez na minha vida e recebi abraços até de gente "estranha" e me senti super bem.

O divórcio bagunçou minha vida completamente, me mobilizou demais. O ex-marido me deu a boa nova num sábado e minha qualificação de mestrado estava agendada para a quinta. Nunca vou me esquecer que a Mãe e a Desi tiraram o Téo de casa justamente para eu finalizar o texto e ele "aproveitou" para essa conversa.

Na quinzena seguinte era casamento da minha irmã mais nova, lá em SC, o Natal e Ano Novo já programado, lista de presentes ajustada, férias em família em Salvador com passagens e hospedagens pagas.

Para tudo. Cancela. Reorganiza. 

E eu fiz tudo.

Fiz a qualificação.

Comprei uma passagem de avião e fui pro casamento em SC só com o Téo.

Fiz uma escala para o Natal.

Reorganizei a lista de presentes.

Refiz os planos de final de ano.

Aceitei um cargo na Direção da escola pra ter um pouco mais de tempo pra dar atenção ao Téo.

Levei o Téo para Salvador.

E me inscrevi na seleção do Grupo Atinuké - estudos sobre o pensamento de mulheres negras para dar uma organizada na vida acadêmica e ganhei um sentido de vida.

O ano de 2016 foi uma loucura.

Quando penso em tudo que fiz eu acho difícil de acreditar. 

Eu fiz tudo que era necessário, e não me arrependo. Vendi a casa que montei peça por peça, me despedi dos projetos de mais de uma década, abandonei o carro com bancos de couro e comprei um remendado com fita tape, encarei um cargo de direção (sendo vice diretora, supervisora, orientadora e professora ao mesmo tempo) e passei a ficar assustadoramente sozinha nos finais de semana sem o Téo.

Tenho orgulho de tudo isso, mas foi um esforço emocional que quase me matou.

Encontrar as Atinukés foi uma benção. A palavra Atinuké em yorubá significa "aquela que merece carinho desde o ventre", é sinônimo de cuidado.

Foi a primeira vez que entendi que a rede de apoio que sustentou a minha vida todinha não era privilégio meu: mulheres negras sustentam o mundo.

Fiz minha inscrição num grupo de estudos achando que ia para mais um GT bem clássico, pra fazer umas leituras e concluir o mestrado, e encontrei carinho, apoio e amor.

Encontrei mulheres muito foda, admiráveis, fortes, quase inacreditáveis e FRÁGEIS e isso mexeu com coisas muito duras e arraigadas dentro de mim.

Lembro como se fosse hoje das primeiras conversas e leituras. Tudo que era falado era tão familiar, era como encontrar minha história na boca de outras pessoas.

Eu comecei a me recompor na companhia e no colo das minhas irmãs.

Foi tudo tão lindo que até um sonho antigo, o de desfilar na Imperadores o ano de 2016 me deu. Virei Cabrocha e me redescobri bonita.

O grupo me fortaleceu, apoiou e acarinhou, mas não tinha como resolver demandas individuais.

Foi terapêutico mas não era terapia.

Para chegar na terapia eu tive que romper com o auto-estigma "eu dou conta" de tudo, o "eu resolvo" e admitir minha própria fragilidade. 

Em 2015 eu liguei o "modo sobrevivência" e tive sucesso, não posso negar. Mas qual foi o custo disso? São incríveis os mecanismos que o nosso cérebro e espírito desenvolvem para não enfrentar certas emoções.

Eu me permiti sofrer, mas não me acolhi. Lutei ferozmente para colocar a decepção embaixo do tapete. Me recusei a admitir o quanto eu me senti fracassada pelo fim do meu casamento, pelo fim do meu projeto de vida. 

Sim, eu me sinto fracassada. E escrever isso aqui ainda dói, e eu nunca me permiti assumir isso em voz alta.

Eu dei conta de tudo, trabalhei muito, comecei um doutorado, arrumei novos empregos, fui reconhecida pelo meu trabalho, comprei uma casa nova e mobiliei.

MAS

Passo o tempo todo me sentindo humilhada por ter precisado de ajuda financeira da minha mãe e da minha irmã.

Me sentindo uma mãe terrível por ter tirado o Teodoro da casa que construí para ele crescer.

Me sentindo fracassada por não ter falado o que me incomodava no meu casamento.

Me sentindo idiota e infantil por ter acreditado que amor era suficiente.

Me sentindo incompetente por ter passado no concurso dos sonhos e ainda assim nunca ter sido nomeada.

Me sentindo fracassada.

Sim, num nível consciente sei que algumas dessas coisas não estão sob meu controle, e que nem podem ser consideradas um fracasso.

E não ter controle também é um fracasso pra mim.

Eu fui percebendo isso aos poucos. Ou melhor, percebendo e sufocando. 

Eu mantive o modo sobrevivência ligado e segui firme. Mas a cada coisa que dava errado eu sentia a ferida latejar. 

Iniciei a compra de um apê e não deu certo, perdi uma boa grana

Passei no doutorado, tive a bolsa negada e ainda tive que encarar racista descarado duvidando da minha capacidade de estar onde cheguei.

Passei no concurso dos sonhos e tive que recorrer a justiça para me manter no páreo, e no fim perdi a vaga.

Voltei a ter 40h na rede estadual, com salário parcelado e atrasado, em duas escolas em dois bairros diferentes.

A ferida sufocada latejando a cada dificuldade. Eu não sei lidar com a falha, eu sinto como se as falhas corrompessem o meu SER.

Ser forte e dar conta de várias coisas é um habilidade que me torna muito eficiente em alguns campos, mas me traz um gasto de energia emocional absurdo.

Soube recentemente que posso ser uma "overthinker", alguém que tem uma necessidade irresistível e avassaladora de analisar tudo o que pensa, de pensar sobre tudo, planejar e pensar e pensar e pensar de novo. É uma tendência a monitorar, avaliar e tentar controlar excessivamente todos os pensamentos, de analisar causas, consequências e possibilidades de tudo.

Isso não é necessariamente ruim repito. Por que me torna uma pessoa eficiente em vários campos. Mas também me levou a exaustão. Por que muitos dos pensamentos nada positivos também entram nesse processo alucinante de pensamento. E as minhas falhas, derrotas, dissabores e dores também ganham força e tamanho nesse processo.

No segundo semestre de 2018 eu me sentia muito cansada. Exausta.

Com as merdas no Estado precisei aceitar qualquer trabalho que me rendesse qualquer dinheiro.

E como sempre eu fiz tudo: dei aula, escrevi livro, plano de aula, dei palestra, fiz show com as Cabrochas, cuidei de tudo relacionado ao Teodoro. E ainda me apaixonei e decidi conscientemente me deixar envolver.

E tudo isso sem deixar de me sentir fracassada.

Isso é bem estranho né? Como pode uma pessoa que conquistou tanto ainda se sentir um fracasso?

A questão é justamente essa: não lidar com a frustração. Não aceitar as frustrações como parte da vida, apenas ver isso como um fracasso e se culpar por isso.

Eu nunca busquei entender isso de forma mais profunda, afinal faz parte do meu processo achar que devo dar conta de tudo. Mas preciso dizer que nós, mulheres negras somos socializadas e criadas em condições tão extremas de sobrevivência há tantas gerações que não sobra tempo pra ser frágil, pra ser triste. É uma sucessão de "engole o choro" sem fim. Lidamos com todas as oportunidades como se fossem as últimas e únicas (por que muitas vezes são), temos que tirar nota 11 e ainda somos questionadas sobre nossa competência. Uma mistura de racismo com machismo que nos sufoca.

Encontrar as Atinukés me trouxe consciência disso. Eu comecei a entender melhor o quanto as que vieram antes de nós pavimentaram com muito amor e dedicação o caminho que trilhamos. E principalmente comecei a identificar o quanto as mulheres que me formaram foram extremamente fortes, suportam coisas inimagináveis e se mantiveram firmes.

Essa constatação num primeiro momento pesou muito. Costumo dizer que temos uma "régua alta", uma grande responsabilidade com esse legado. O desafio é honrar esse legado sem comprometer nossa própria trajetória. Buscar entender que muito do que elas passaram foi justamente para que a gente não passasse, muitas das nossas foram impedidas de estudar, mantiveram casamentos de merda e nos ensinaram a não repetir isso. O fato de terem feito tudo nisso com um sorriso no rosto não pode nos fazer esquecer que dói.

Em 2019 a minha exaustão chegou ao topo. Eu tentava me enganar dizendo que todos aqueles sintomas eram apenas cansaço: dores pelo corpo, sono que não revigora, dores de cabeça e pensamento extremamente acelerado. 

E mesmo sendo a pessoa que falava muito sobre "autocuidado" com as amigas, eu me recusava a admitir que eu precisava de ajuda. Afinal, fazer terapia em vários momentos me soava como uma derrota. Mais um fracasso pra lista. Afinal, eu "preciso dar conta".

Aqui fica uma dica pra quem me lê: não confunda autoestima, vaidade e "skincare" com "saúde mental". Digo isso de camarote. Não me falta vaidade, nem autoestima, nem gratidão. Todos essas estratégias de autocuidado são válidas e bem vindas, mas elas são apenas parte do cuidado com a tua saúde mental. Em muitos casos lidar com emoções mais duras requer autoconhecimento e para se chegar nesse ponto muitas vezes precisamos de ajuda, de terapia.

Pra muitas de nós uma rotina de bem estar é uma grande conquista sim, descansar é um luxo necessário, que deve ser cultivado e celebrado. Rotina de bem estar é terapêutico, mas não é terapia.

Eu não abri espaço para terapia na minha vida por que acreditei que enquanto eu me mantivesse "positiva", "lutadora" e "forte" tudo ia se resolver. E a dor só aumentando, afinal como eu poderia ser uma pessoa linda, maravilhosa e ainda me sentir triste e fracassada? Que vergonha!!! Tu é forte, """tem que aguentar""""!!!

Quando tive alguns sintomas físicos de exaustão tomei umas broncas do namorado e marquei uma consulta com uma psicóloga pela primeira vez. E nunca fui. Arranjei todo tipo de desculpas e desmarquei umas 5 consultas no ano de 2019.

Cheguei a bater o carro.

Tomei a dura decisão de deixar a sala de aula e encarar um cargo administrativo, mais próximo de casa e também com a possibilidade de retomar a escrita da tese (que me dói ainda).

Fechei o ano de 2019 completamente exausta.

Tomei decisões muito sensatas e acertadas, trabalhar mais próximo de casa, parar de pagar pra trabalhar e vender o carro, levar menos trabalho pra casa e voltar ao doutorado, mas ainda todas essas decisões ressoavam como um fracasso, uma derrota, uma demonstração da minha vulnerabilidade inaceitável.

Uma parte de mim ainda não aceitava mais uma mudança de rota. Uma parte de mim gritava: "Como assim??? Vai mudar de novo??? Tu não acerta uma!!!!"

A meta de 2020 era encarar a terapia. Além de exausta eu também sentia que estava sobrecarregando a única pessoa que permiti ver esse processo, o meu namorado na época, e não me parecia justo.

Veja, mais uma vez, eu estava me sabotando, me recusando a encarar um processo necessário apenas por mim mesma. Meu processo "overthinker" busca justificar as coisas e só encontra conforto quando posso fazer algo por alguém, o que é para mim, se não for ""natural"" não é válido.

O ano de 2020 começou bem, fui viajar a Salvador, um lugar que eu amo, com todas as pessoas que eu amo. Comecei com muita esperança, até um retorno a Imperadores aconteceu. Ainda tentei fugir da terapia, "Eu vou depois das férias", "Vou esperar passar o Carnaval", funcionaram e marquei uma consulta para março.

Vocês sabem o que aconteceu em março.

O ano de 2020 nem preciso dizer que foi terrível pra todo o planeta. E pessoalmente marcou o meu colapso. Quando a pandemia começou eu tinha certeza de que ia morrer. E tudo que sempre usei como mecanismos de autocontrole parou de funcionar: eu não tinha mais uma rotina louca de idas e vindas entre duas escolas, possibilidades de sair e tomar um porre no final de semana, e etc.

E surgiram outras oportunidades de trabalho, em meio ao caos eu juntei um grana que não imaginava. E trabalhei muito!!

Mas meus pensamentos estavam me exaurindo.

A consulta de março foi cancelada e a incerteza dos primeiros meses de pandemia me enlouqueceram. Meus pensamentos se tornaram extremamente acelerados e opressivos. E tudo isso que estou relatando aqui só consigo raciocinar depois de um ano.

Enquanto isso acontecia eu apenas colapsei. Nem o meu modo sobrevivência foi capaz de me fazer ficar confortável.

Eu fiz tudo que tinha que fazer: trabalhei, cuidei do Téo, trabalhei mais um pouco e fiz uma reforma na casa. E chorei. E me senti envergonhada por estar viva, segura, empregada e triste.

Pra fechar o pacote tristeza meu namorado me deixou. Um coração partido no meio de isso tudo era o que eu menos precisava. Eu perdi um amigo, mais do que um namorado. Mas sobre isso falo depois.

Durante o auge da pandemia tentei remarcar aquela consulta de março, mas perdi a vaga. Recebi a indicação de outra psicóloga e travei. A desculpa oficial foi o atendimento online, mas a realidade era que eu não conseguia pedir ajuda.

Eu estava assustadoramente triste e ansiosa. E quando perdi meu namorado-amigo me senti também assustadoramente sozinha. Abandonada.

Tomei coragem e agendei a terapia online. No dia marcado inventei uma desculpa e não fiz a chamada, e passei a hora toda da consulta sentada na minha poltrona chorando.

Finalmente parei de fugir, mas as primeiras consultas foram extremamente dolorosas. Levei uns dois meses pra ter vontade genuína de fazer a chamada, no dia da sessão sempre pensava em alguma desculpa pra faltar, adiar ou atrasar. Me esforcei pra manter a regularidade e não me arrependo. Já são 10 meses de conversas semanais que me trazem alívio e acolhida.

Tem sido uma jornada muito difícil, eu ainda preciso de muito esforço mental para me sentir merecedora desse espaço. 

Inclusive escrever aqui sobre isso é uma etapa fundamental pra mim. É parte da minha escrevivência.

Aos poucos tenho feito as pazes com as minhas falhas, frustrações e medos. Precisei de ajuda de uma psiquiatra, e mesmo adiando ao máximo me sinto satisfeita por ter rompido mais essa barreira (mesmo que os primeiros comprimidos foram engolidos com lágrimas de auto-desaprovação). Foi tão difícil que só depois de 4 meses de tratamento tive coragem de contar pra minha família.

Sigo com o pensamento acelerado e um pouco triste, mas já me culpo menos por isso. Ainda preciso que a Priscila me diga em cada sessão "Esse é o processo, e tu tá indo muito bem" pra não desistir.

E hoje ao ver a ginasta Simone Biles deixar de participar da final olímpica para cuidar de si me senti quase que envergonhada... Que mundo é esse em que não podemos nos sentir confortáveis nem no topo?

Minha crença de que a nossa doença se chama colonização fica mais firme. Como nos ensina bell hooks, as emoções reprimidas foram a chave da nossa sobrevivência. Sobrevivemos, e agora devemos honrar nossos ancestrais VIVENDO. E vivendo de amor.

Eu abri as comportas desse mar que me habita e inunda. Não tem mais volta.

"A arte e a prática de amar começam com nossa capacidade de nos conhecer e afirmar"

"Algumas vezes a gente se olha e vê tanta confusão, tanta dor, que não sabemos o que fazer. Então precisamos procurar ajuda. Às vezes ligo para meus amigos e digo: "Não consigo entender o que sinto e não sei o que fazer, você pode me ajudar?" Muitas mulheres negras não têm coragem de pedir ajuda, pois isso significaria um sinal de fraqueza. Precisamos nos livrar desse condicionamento. Ter capacidade de pedir ajuda significa que temos poder. Cada vez que buscamos ajuda nosso poder aumenta, ao invés de diminuir. Experimente. Geralmente buscamos ajuda em momentos de crise. Mas podemos evitar a crise se reconhecermos nossa dificuldade em lidar com uma determinada situação. Para as mulheres negras acostumadas a manter o controle das situações, pedir ajuda pode 
significar a prática do amor, da confiança, reconhecendo que não precisamos resolver tudo sozinhas. A prática de se amar interiormente nos revela o que o nosso espírito necessita, além de nos ajudar a entender melhor as necessidades das outras pessoas. As mulheres negras que escolhem ( e aqui enfatizo a palavra "escolhem") praticar a arte e o ato de amar, devem dedicar tempo e energia expressando seu amor para outras pessoas negras, conhecidas ou não. Numa sociedade racista, capitalista e patriarcal, os negros não recebem muito amor. E é importante para nós que estamos passando por um processo de descolonização, perceber como outras pessoas negras respondem ao sentir nosso carinho e amor."

Escrevo aqui pra ti amiga, pra te encorajar nessa viagem, e para que eu leia isso de vez em quando, cada vez que eu titubear.

Pra que eu saiba que eu posso fraquejar, que isso não apaga nada do que sou. E que eu sou um monte de coisa, e nada disso é contraditório. 

A afirmação é o primeiro passo para cultivarmos nosso amor interior. Uso a expressão "amor interior" e não "amor próprio" porque a palavra "próprio" é geralmente usada para definir nossa posição em relação aos outros. Numa sociedade racista e machista, a mulher negra não aprende a reconhecer que sua vida interior é importante. A mulher negra descolonizada precisa definir suas experiências de forma que outros entendam a importância de sua vida interior. Se passarmos a explorar nossa vida interior, encontraremos um mundo de emoções e sentimentos. E se nos permitirmos sentir, afirmaremos nosso direito de amar interiormente. A partir do momento em que conheço meus sentimentos, posso também conhecer e definir aquelas necessidades que só serão preenchidas em comunhão ou contato com outras pessoas. Onde está o amor, quando uma negra se olha e diz: [...] "Vejo uma pessoa tão ferida, que é pura dor, e não quero nem olhar pra ela porque não sei o que fazer com essa dor". Aí o amor está ausente. Para que esteja presente é preciso que essa mulher decida se olhar internamente, sem culpa e sem censura. E ao definir o que vê, talvez perceba que seu interior merece ou precisa de amor. 

Eu sou aquela que merece carinho desde o ventre.

Eu sou aquela que vai se acolher no próprio ventre.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Devaneios pandêmicos #9

 Li esse texto agora no Instagram e preciso gravar ele aqui.



Reposted from @omolojiagbara 

Africanamente reconhecemos que somos a soma de todos os nossos e nossas ancestrais.

Trazermos no corpo as marcas de glória, felicidade e afetos de acolhimento. 

Mas também trazemos as tristezas, a dor do abandono, a tragédia do sequestro de África, as durezas das relações familiares...

Somos a soma, sobretudo, das experiências da nossa ancestralidade familiar que são repassadas de geração a geração na convivência cotidiana. 

E é importante que reconheçamos quais dores se manifestam em nós e que não são nossas diretamente (tão quanto aquilo que nos fortalece). 

Falo das dores, pois comumente são elas que nos paralisam ou nos deixam mais fragilizados. 

Reconheço ser legítimo sentir a dor dos meus e das minhas ancestrais. 

E do mesmo modo eu digo que quero ser o corpo que irá reconhecer essas dores, as feridas e marcas, mas não quero que meu corpo seja depósito, e sim o colo que acolhe e direciona essas e esses ancestrais para a cura. 

Aprendi que meu autocuidado não é “auto”. Muitos ebós, fundamentos, afetos, sessões de terapia, jogos de búzios, tarô, idas ao médico, conversas em grupo... São em paralelo para mim e também para esse povo todo que está em mim. 

Quando Oxum lava primeiro as suas pulseiras ela está lavando as pulseiras da sua ancestralidade, força vigorosa em si. 

Nesse auto/inter-cuidado eu fortaleço a mim e aos meus e minhas ancestrais:

Processo de cuidado profundo, complexo e denso, mas com muito amor, eu cuido de mim/da minha gente... 

👉🏾Texto: Omoloji Àgbára Dúdú- @omolojiagbara

👉🏾 NagôDengo - @nagodengo

domingo, 11 de julho de 2021

Devaneios pandêmicos #8

 Hoje é domingo. 

Eu acordei relativamente cedo, arrumei umas coisas e me pus a trabalhar. 

Perto do meio dia fui fazer um strogonoff pra mim. 

Botei a mesa e me sentei bem plena pra degustar meu rango.

Eu gosto da minha companhia, gosto de mesa posta e comida arrumada, mas me lembrei de como esse singelo momento já foi muito dolorido. E muito mesmo.

Logo depois que me separei o primeiro final de semana sem o Téo em casa foi absolutamente terrível. Eu não sabia nem o que fazer. Chorei muito e também não almocei sozinha, minha irmã me socorreu. 

Depois do primeiro demorou pra ficar menos dolorido. Eu geralmente saía de casa ou passava o final de semana na base do pão. 

Enquanto estive em Canoas era muito terrível por que aquela casa grande virava um deserto. Eu ficava no escritório e no quarto, não sentia vontade de sentar no sofá, ou pegar um sol no pátio e não cozinhava. 

Mas era uma vida dupla: nos finais de semana em que o Téo estava em casa eu fazia almoço e botava a mesa pra nós. 

Eu só não sentia vontade de fazer nada pra mim. 

Isso já faz 5 anos e foi bom eu ter me lembrado.

Preciso dizer a mim mesma com frequência: tudo é  um processo. 

Aos poucos voltei a cuidar de mim.

E olha onde noix chegou! 💖